Vintage

Neste mesmo local, há um ano atrás, dissertava eu sobre as transformações que assolavam a sociedade, receoso da insegurança que se ia apoderando da atual versão do “homo sapiens”, incrédulo e indeciso sobre tudo o que o rodeia, não sabendo distinguir o real do virtual. Fazia votos e exprimia desejos, para o ano que agora findou, de “uma sociedade mais exigente e menos permeável, que faça da defesa da Liberdade e dos valores da Democracia o seu desígnio”. Olhando em retrospetiva, só me resta reafirmar os votos, ao constatar que a vigarice das fake news, da desinformação e da mentira, em vez de castigar, premeia alguns dos seus maiores seguidores.

Na gíria vinícola “vinho-a-martelo” é uma vigarice que se vende bem porque custa pouco. Quando a vigarice afeta o destino de algumas das grandes nações, baluartes da democracia e dos direitos humanos, é caso para nos começarmos a preocupar; – na Grã-Bretanha, que de vintage só possui a antiguidade e o cheiro a naftalina – porque a qualidade e a excelência da sua democracia, deixou de rimar com “british” –, Boris Johnson utilizou em seu benefício a receita e ganhou; – nos EUA, Trump, aplicando a receita, vai transformando um justíssimo processo de destituição em bandeira da sua reeleição. E os seus discípulos, por todo o Mundo, andam num frenesim. Cada um pode beber o que quer, é verdade, mas é pouco inteligente trocar a qualidade e a excelência pelo “vinho-a-martelo”. Que 2020 – vinte, vinte – seja mesmo um ano vintage. Que a colheita do próximo ano seja mesmo excecional, que a qualidade supere em muito a mediocridade. São os votos.

Por Gustavo Gaudêncio