Belos tempos…. Naquele tempo…, por Augusto Gil

 Recordo quando ia a casa dos meus pais e hoje felizmente moro lá se esta não é secular para lá caminha, na Rua de Alpiarça recordo então os anos 30/50. Aquela casa térrea como as demais foi para mim um palácio visto de fora e por dentro. O aspeto pobre com um portão de madeira podre uma porta incorporada e uma janela. Hoje com nº 64 ali permanece. Ter um carro nos primórdios anos 40/50 como modo de vida de taxista era equivalente ter 10 ou 20 hectares de fazendas de qualquer género, o modo de vida do dia a dia ou a vivência, era igual.  

Parte das casas não tinham portas interiores, as cortinas as substituíam. Intimidade era coisa que todos tínhamos seguramente. Ninguem violava ou espreitava. As telhas vãs eram no Verão a televisão de então. Em noites de Luar deitados nos quartos pelas frestas das telhas víamos as estrelas por vezes a Lua e até os gatos. A imaginação criava em nós um pouco de tudo. Mas no inverno essas mesmas frestas faziam com que a água da chuva estrasse por ali a dentro. O “penico” ou mais apropriado “Vaso de noite”, servia para dar vazão ás beiras que ali caíam. Era por vezes uma desgraça. A velha história dos Pais perguntarem aos filhos se já dormiam era um pretexto de poder haver qualquer coisa tão especial da parte deles que em surdina, ria debaixo dos lençóis:  … “Lá estavam eles na malandragem”.

A camita de ferro que já tinha pertencido aos meus Avós era agora minha e fazia para muitos inveja isto porque as esteiras, divãs, a palha de trigo, a erva seca dos saramagos por baixo de uma manta suja, faziam de muitos a sua “deita” já não falando dos deitados no chão em tempo no palheiro porque não havia nem quartos nem camas.

O colchão de “camisas de milho” que de ano para ano eram mudadas e secas ao Sol no Verão, eram os “Molaflexes” ou os “Suma(á)uma” da altura e quando já “encardidas”as camisas de amarelo, por um lado do suor do Verão, ou do Xi-Xi das crianças, lá íamos atrás dos Celeiros com uma saquit roubar algumas para as substituir. Todos os dias lá abríamos os nastros remexíamos o interior a fim de montar e dar forma ao dito. Colocar o lençol onde por vezes as marcas dos pés faziam referência de onde seria a parte de cima ou parte de baixo. Fazia-se a cama onde a colcha era sobrecarregada com algumas almofadas que as tias ou avós faziam para o efeito de decoração. Ao lado, a mesa de cabeceira com uma vela e “fosfres” tinham que estar de prevenção para a falta de luz em certos casos essa nem existia em algumas dependências ou mesmo em muitas casas. Em baixo ali bem guardado na “menza” de cabeceira o dito “Penico” ou mesmo ao léu debaixo da cama, que na falta das casas de banho interiores ou exteriores era bem ali que tudo de “necessidades” eram feitas durante a noite.

Há dias uns mais jovens me perguntavam quando contava para eles estas histórias comentavam – E então o Cheiro? Lembrei-me logo daquela história do Ti Manel Bento que tinha um porco que vivia a meias com ele lá em casa e que um dia uma vizinha lhe perguntou, -Atão Oh Menel, O porco drome no quarte contigue? Tu na te preocupas cum o cheire? Logo o Manel lhe respondeu – Na te preocupes, “O mê porco? ele, já se acostumou ao mê cheire!

Na cozinha onde um fogão a lenha preto com umas dobradiças a “condizeres” dourados de cobre amarelos onde semanalmente com “Celarine” da marca Coração, faziamos brilhar os ditos. Era usado com alguma dificuldade e com pouca frequência porque a lenha ou carvão por vezes molhado não dava para acender e aquecer por exemplo o ”leitito” ou o café que no dia anterior numa cafeteira de esmalte ou de barro era feito lá ao fundo no barracão na chaminé de chão onde uma fogueira era mantida acesa todo dia e noite e quando “arrefava” para acalmar as borras punha-se uma brasa e estas “acentavam”. Uma panela de barro ou mesmo de ferro ao fim de semana ia cozendo umas feijocas. À segunda-feira tirava-se metade das ditas e com um bocado de chouriço, morcela e por vezes uns ossitos de porco fazia-se arroz com feijocas, a partir da quarta feira o resto das feijocas faziam-se com massa até ao sábado. Sardinhas fritas ou petingas, bacalhau assado, “xixarros” partidos em três, ou até em muitos lares cebola frita, as famosas cavalas ressequidas de cor amarela cozidas de azeite e vinagre com cebola cozida pra segundo, lá marchavam, choriça assada era assim os acompanhamentos. Os pratos de loiça do famoso “cavalinho” nas paredes, os guarda pratas ou os armários cheios de verniz com aquelas “traquitanas” lá dentro, com as fotografias dos avós ou bisavós com a aquelas suiças ou com bigodes de respeito, as jarras com flores de plástico, uma Nossa Senhora de Fátima em cima de uma “prateleira” onde por alguma ocasião na ida a Fátima fazia-se questão de a ter como recordação. A cozinha era pouco utilizada. Era sempre ao fundo na dita casa ou  ao lado ou por vezes no palheiro para não a sujar e à luz muitas vezes do Pitromáx ou dos candeeiros a “Pitrol”. A janta era mesmo ali num alguidar onde por vezes dali todos comiam recordo muitas vezes batatas com bacalhau de azeite e vinagre com “Clarau e ciboila” e os limpos beiços serem uma redilha… e que até dava para todos. Ainda faz parte do quotidiano de muitas casas hoje. Algumas televisões ainda mantêm um naperon por cima com uma moldura de um ente-querido, dos tais “Buns da familha”.

Mais tarde com aquisição do fogareiro a “Pitrol” veio atiçar para um segundo plano as discussões entre os que queriam a fogueira e os que já gostavam de ser modernos. A técnica do espevitador somente era utilizada pelos que tinham boa vista. Muitas vezes os avós nos pediam – Ah nete, anda cá desint`pir o frograreire do pitroile quê na vege nada…e lá íamos desentupir o buraquinho da cabeça com o espevitador. Eram demais as modernices. Os fogões a Gazcidla de dois bicos e mais tarde com forno e tudo de moderno vem mais tarde revolucionar alguns equipamentos em casa (para recordar o mestre Jasué Lobo da Gazcidla, vendedor nato que não percebia nada daquilo, mas dava para passarmos o tempo a meter papeis no chapéu no Solido, enquanto dormia). O esquentador vem logo a seguir para inicialmente podermos ter na altura o sacrifício de tomar banho de corpo inteiro. Anteriormente num alguidar e muitas vezes na cozinha à noite e bem perto da televisão, era assim a lavagem semanal do banho, até as sanitas e bidés mesmo em esmalte portáteis começam a ter uso, ainda recordo em 1964 num sábado quando a minha mãe tomava banho na cozinha com a televisão acesa, foi desligá-la porque o Henrique Mendes estava a dizer o noticiário e só estava a olhar para ela!? Mas não julguem que isto aconteceu só com Ela. Há que ter em conta que as normas de higiene dos nossos antigos tinham por defeito o deixa andar. Isto se recordarmos que o banho era um luxo somente para os ricos.

Aquando a existência dos Paços do Concelho a partir de 1600 conta a história que em parceria com a realeza Francesa não havia banheiros nem desodorizantes, escovas de dentes nem Perfumes. O Papel Higiénico era desconhecido só lá para os anos de 1880 é que ele aparece. Bem, o mau cheiro era uma constante. As damas exalavam um cheiro por baixo das saias (por isso tinham aquele formato tipo sino) e já podem imaginar, tanto que ainda hoje é recordado que os casamentos na altura eram feitos em maio aquando o banho “ anual”, o ramo de flores ou o chamado bouquet das noivas era usado sómente nesse dia bem junto ao corpo para dar um cheirinho mais atenuante. E como muitos já viram em filmes da altura o uso do leque não era mais que um pretexto de “enxotar” o mau cheiro. As extremas das casas eram na altura feitas quando quintais por tábuas (tapuns), arames, umas couves de todo ano que limitavam o que é meu e o que era do vizinho por isso a conversa diária era uma constante. O Jornal de regateirice era atualizada diariamente ao invés do refrão verdadeiro; a Galinha da minha vizinha não poderia ser melhor que a minha. A inveja era rainha. 

Augusto Gil