Nuno Lucas: “As pernas ainda vão dando para jogar”

Nuno Lucas começou a jogar futebol com apenas nove anos. Seguiu as pisadas do Pai e é um líder dentro e fora de campo. Depois de ter casado em pleno relvado do Estádio D. Manuel de Mello, em Almeirim, Lucas mudou-se para Alpiarça. Nesta entrevista olhamos em revista a carreira do defesa.

Nuno, como está a correr esta temporada?
A temporada está a correr dentro dos objetivos do clube, que passa pela manutenção. Temos consciência que podíamos e devíamos ter feito melhores resultados mas tivemos alguns percalços pelo caminho e estamos ainda um pouco longe de garantir a manutenção na 1.ª divisão distrital. Mas acredito que o grupo vai dar uma resposta rápida e vamos garantir a manutenção o mais rápido que conseguirmos.

E a adaptação ao novo clube?
Foi uma adaptação fácil. Já era conhecido por maior parte dos novos colegas, a equipa técnica também já me conhecia de há vários anos e, com o passar dos dias, fui ganhando entrosamento com os companheiros e foi de forma rápida que criei laços de amizade com todos.

Foi bem recebido em Alpiarça?
Muito bem recebido. As pessoas responsáveis pelo clube e pela equipa sénior garantiram o bem estar, meu e do grupo de trabalho, desde o primeiro dia. Até agora, nunca nos faltou nada. Claro que há sempre coisas por corrigir ou problemas que aparecem pelo meio do percurso, mas é normal para uma direção que é algo jovem e um pouco inexperiente destas andanças do futebol. De lembrar que os Águias de Alpiarça esteve muitos anos sem futebol sénior e subiu logo no 2.º ano depois de terem formado equipa novamente.

Porque escolheu o Águias?
Escolhi a equipa dos Águias, primeiramente porque queria continuar a jogar no primeiro escalão do futebol distrital de Santarém, porque tem outra visibilidade e os jogos têm outro ritmo de jogo mais intenso. Não quero com isto menosprezar as equipas, nem o segundo escalão distrital, mas nota-se uma grande diferença entre divisões. Na 2.ª distrital joga-se mais por amor a um clube e, em alguns casos, até se tem poucos dias de treino, enquanto na 1.ª divisão já temos jogos com equipas que treinam praticamente todos os dias, jogadores que já estiveram em outros campeonatos a nível nacional e sente-se o jogo de outra maneira. Também porque tinha um treinador que há muito queria trabalhar com ele.

Teve outros convites?
Sim. Fui abordado por várias equipas da 1.ª e 2.ª divisão. Mas, ou eram longe e iria ser difícil o meu compromisso a 100%, ou ia ser muito dispendioso para mim. Os clube não “nadam” em dinheiro neste nível e os jogadores têm que fazer muitos sacrifícios para continuar a fazer aquilo que mais gostam. No fim, optei por Alpiarça também pela proximidade com Almeirim, onde vivo. Também tive a possibilidade de ficar no União de Almeirim, mas achei que devia sair porque achei que era o melhor para mim. Não tenho nada contra a atual direção ou treinadores, aliás só tenho que aplaudir a coragem que estas pessoas tiveram para agarrar o clube e tentar reerguer de novo o clube da minha terra. Fui o primeiro jogador a ser abordado pela equipa técnica e direção atual para continuar no clube, mas naquele momento, achei que devia sair.

Vai jogar até que idade?
Sinceramente, é uma coisa que ainda não pensei com clareza, porque as pernas ainda vão dando para jogar. Mas sei que um dia tudo isto acaba e vou ter que por um ponto final na minha “carreira” de jogador.

Quer terminar onde? Almeirim, Fazendas ou Alpiarça?
Primeiramente, quero terminar a sentir-me em condições de ser titular numa equipa. Não quero terminar a carreira onde, na última época, estou estou sempre no banco e depois, no último jogo do campeonato, jogo a titular e depois saio para os aplausos. Isso não quero. Quero que se lembrem de mim como um jogador que primeiro foi um grande homem. Não quero ser apenas mais um. Se não for em nenhum destes clubes, que seja noutro onde as pessoas gostem de mim e que eu dê o meu melhor sempre até ao fim. Mas gostava de terminar num destes clubes que referiu.

Foi bem tratado pelo U. Almeirim e Fazendense?
Sempre fui bem tratado em todo o lado por onde passei. O Fazendense é o meu primeiro clube de formação como atleta federado e sempre tive um carinho especial pelo clube.
Depois, na transição de iniciado para juvenis, mudei-me para Almeirim porque o meu pai também saiu da equipa de Fazendas de Almeirim para ingressar como treinador adjunto na equipa sénior do União. Como eu morava em Almeirim, tinha mais lógica ficar perto de casa, porque depois também não tinha quem me levasse, na altura, para as Fazendas. Comecei a jogar no União com 14 anos e depois foi sempre a subir até ao escalão sénior. Os 2 clubes farão sempre parte da minha vida e sempre fui acarinhado e bem tratado pelos 2 clubes onde tive o prazer também de usar a braçadeira de capitão.

Não se arrepende de ter casado no Estádio D. Manuel de Mello?
De forma alguma. Para mim é até um orgulho termos sido, até à data, o único casal a dar o nó em pleno Estádio D. Manuel de Mello. Fico de certa maneira triste por ver que o relvado natural vai deixar de existir em Almeirim, porque era uma imagem de marca do clube, mas tenho que compreender que talvez seja, neste momento, o melhor. Ficarei sempre na história do clube de qualquer forma.

Qual o segredo para a longevidade?
Não há segredo. É claro que para chegarmos longe e ainda conseguirmos jogar temos que abdicar de muito na nossa vida pessoal. Sempre tive o meu pai como exemplo e sempre tive o apoio da família. Talvez seja um das coisas mais importantes para quem envereda por este caminho. Depois há todo um conjunto de fatores que podem ou não influenciar a caminhada mais curta ou mais longa no futebol. Eu, a este nível e com a minha idade atual, faço coisas que não fazia há alguns atrás. A vida e exemplos passados de jogadores que tive o prazer de partilhar balneários e exemplos de jogadores profissionais, deram-me outra maneira de ver e viver o futebol. Para ter uma ideia, eu neste momento, tenho apenas um dia de descanso por semana! Todos os outros dias são dedicados à família e ao bom condicionamento físico. Consegui, com muito esforço criar em casa um pequeno espaço para trabalhar nos dias de folga dos treinos, tenho cuidado com a alimentação, seguindo uma dieta muito rigorosa e depois temos que também dar a recuperação e o descanso adequados ao corpo. Por exemplo, aos domingos no fim do jogo, quando chego a casa, tenho sempre o cuidado de fazer um banho de gelo por vezes seguido de uma massagem, o que me ajuda depois no dia seguinte na recuperação para o dia de trabalho. São apenas algumas das coisas que faço para continuar a jogar.

É o Pepe de Almeirim?
Não, sou apenas e só o Lucas. O Pepe é um atleta fenomenal. Claro que no passado fez coisas que não são aceitáveis, mas todos erramos na vida, é normal. Agora como atleta e como soube ultrapassar as circunstâncias e obstáculos da vida, o Pepe é um atleta de excelência. O Lucas é apenas uma pessoa que tentou sempre chegar o mais longe no futebol mas nunca conseguiu chegar a esse patamar.

Olha para trás e que ideia tem da própria carreira?
A ideia que fico de tudo aquilo que vivi e experenciei neste mundo alucinante que é o futebol, é de uma pessoa que sempre foi honesta, humilde e trabalhadora para os objetivos propostos aos grupos de trabalho. Em todo o lado que passei fiz amizades, nunca tive conflitos com nenhum jogador e mesmo nos clubes onde nunca joguei todos me conhecem e todos me respeitam. Com todos os treinadores, nenhum pode dizer que teve problemas comigo porque, dentro do campo, sempre fui claro e objetivo naquilo que queria, que era dar o meu melhor à equipa jogando. É claro que se me perguntarem se mudava alguma coisa no passado, é óbvio que alterava muita coisa depois de saber aquilo que sei hoje. Mas a mim também nunca me foi dada uma oportunidade como foi dada a muitos que depois não quiseram ir mais além quando tinham tudo para seguir a vida de profissionais de futebol. Por isso, quando olho para os casos do Daniel Bragança, do Lucas dos Anjos, da Margarida Caniço ou da Ana Tomaz deixa-me feliz por ver que eles estão bem encaminhamos para fazer as coisas bem. É um orgulho ver estes meninos e meninas de Almeirim chegarem a clubes de renome e respetivas seleções.

Como concilia a vida profissional, o futebol e a vida familiar?
Se alguém fizesse um filme do meu dia a dia iriam ver os esforço que é feito dentro do meu seio familiar. Tenho a meu lado as pessoas certas para eu fazer aquilo que tanto gosto na vida.
Como muita gente sabe, a minha filha sofre de uma doença crónica (fibrose quística) e necessita de cuidados médicos e terapêuticos diariamente. Eu e a minha esposa temos tudo muito bem coordenado para que nada falte aos cuidados diários da menina. Mas, para eu puder continuar a jogar, digo mesmo que a minha esposa é uma Super Mulher. Sem ela ou se ela fosse uma pessoa com outra personalidade, a minha vida futebolística já teria terminado. É claro que com o avançar da idade ela já me tenta “agarrar” em casa, mas por outro lado, compreende e faz um esforço gigantesco para eu continuar a jogar. Depois também tenho os meus pais que, sempre que preciso de alguma coisa, sei que posso contar com eles. Tenho uma família impecável. Sou um felizardo nesse campo.

Quando deixar de jogar, quer ficar ligado ao futebol?
Sim gostava muito. Depois de uma vida inteira dedicada ao futebol, fico talvez com um vazio se isso não acontecer.

De que forma?
Já disse a algumas pessoas que até para técnico de equipamentos eu era bom, é um trabalho pelo qual tenho muita admiração e respeito por quem o faz porque, tem que ser feito com muita dedicação e paixão. Mas já pensei em algumas coisas porque hoje em dia, num clube de futebol, numa associação ou mesmo numa federação, existe uma oferta variada de empregos. Não penso muito na carreira de treinador porque acho que não tenho o perfil e o carácter necessário para isso. Talvez como adjunto ou treinador de guarda redes que é um treino que me dá prazer de ver. Mas para isso tenho que deixar de jogar para depois me focar noutra coisa. Cada coisa a seu tempo.

E ser capitão? Que tipo de capitão é?
Sou um capitão simples. Não sou muito dado a palavras, mas também quando tenho de chamar à atenção a algum colega de equipa faço-o sem problemas. Sou mais de liderar por ser um exemplo a seguir. A minha forma de estar no futebol foi sempre focada com os exemplos que fui tirando de outros capitães, principalmente do meu pai que foi também um dos grandes capitães do Fazendense. No meu tempo de jovem jogador as coisas eram diferentes de hoje. Em alguns clubes os capitães têm sempre a ajuda de um diretor desportivo para resolver algumas questões do seio do grupo. A este nível, por vezes, temos que resolver problemas nas horas de trabalho ou nas folgas dos treinos.

Em que medida é que o Nuno aprendeu tudo isto com o seu pai?
O meu pai foi e continua a ser um exemplo como jogador e como homem. Será sempre o meu maior ídolo e o meu grande apoio. Durante todos estes anos fui absorvendo tudo o que ele fazia pelo futebol e também sempre me deu conselhos que ainda hoje tenho sempre presentes na minha cabeça. Tudo o que sou hoje no futebol e o homem que me tornei devo ao meu pai. É o meu maior crítico, tanto para o bem como para o menos bem. Tenho a sorte de ter sempre em todos os jogos, faça chuva ou sol, frio ou calor, os meus pais na bancada a assistir aos meus jogos. Se pagassem os kms que eles fazem todas as épocas atrás de mim, nem precisavam de trabalhar. São incansáveis.

Quer fazer uma festa de despedida?
Sim. Quero sair da melhor maneira do futebol. Quando esse dia chegar que seja um dia bonito e marcante. Sei que nesse dia vai ser triste para mim, mas que eu seja lembrado por tudo o que fiz de bem ao serviço do futebol.

O Nuno é ativo na promoção dos seus jogos nas redes sociais. É o Nuno que faz isso ou tem ajuda de alguém?
Tenho o meu irmão que me ajuda com isso. Ele é licenciado em Artes Visuais e Tecnologias e mestre em Design de interação. Todas as promoções aos meus jogos a nível individual é da responsabilidade dele. Ajuda-me bastante também (https://instagram.com/ricardolucas_design).