‘Vindimas e Pinga com fartura’, crónica por Augusto Gil

Como o nosso leitor já imaginou, tudo de qualidade que eventualmente poderia ser feito ou trazido numa esperança de dinamismo a esta Cidade na chamada Tradição, no Bairrismo, etc., foi sempre contrariado a partir do 25 de Abril por muitos pseudo-almeirinenses que não gostavam da pinga. Para muitos nesta altura em tempos idos, as Vindimas faziam parte do quotidiano desta vila. Por isso, recordaremos para quem viveu esses tempos em que a carroça com o latão cheio de uvas, nós piquenos com fateixas atadas a um cordel à surrapa roubavámos uns caxitos delas, as ruas porcas do mosto e um cheiro que até embebedava a quem o não bebia, muitas vezes os nossos Bombeiros andavam a lavar as ruas, a descarrega diária junto a janelas que tinham um lagar e a ciroulhita arregaçada e a camisa emporcada que era a veste do trabalhador que ia pisando até ao sol-posto onde muitas vezes quando íamos espreitar para ver como era de repente disparado de lá de dentro um cacho de arremeço que nos acertava na funça, e lá íamos todos sujos para casa.

Porque não recordar também no final desta lenga-lenga das vindimas em que a Adiafa fazia parte d´um ritual em que com bandeiras e latões, canas e ramos de erva como se fossem de cravos ou rosas, cantando todo o rancho, lá traziam a última carrada de uvas na qual dava por terminada toda a labuta das Vindimas.

Por andar nesta do Antigamente, vim a conhecer (e para quem também não sabe), as ditas castas das uvas (hoje, por minutos, fiquei Enólogo): Alforocheiro, Almafego, Arinto, Assírio, Boal, Cachudo, Camarate, Carrega, Carrasquenho, D. Branca, Dialgalves, Fernam Pires, Folha de Figueira, Formosa, Galego, Jam Paulo, Malvasia, Mourisco, Olho de Lebre, Rabo de Ovelha, Tamarez, Tália, Trincadeira, Verdelho, etc., estas do “Vinho “Branco”. Agora do Tinto: Bastardo, Bomvedro, Castelão, João de Santarém, Maçã, Maroto, Monvedro, Mortágua, Murteira Mourisco, Negra Mole, Olho de Lebre, Periquita, Preto Martinho, Tinta Castelã, Tinta Francesa, Tinta Miúda, Tinta do Padre António, Tintareira, Trincadeira Tinta, etc.

Bem, para quem as conhece, ‘tá tudo dito, para quem se enfrasca e não sabe donde veio a dita pinga e neste caso nem sabe a casta, é como o Ciroulha dizia:

“Cá dentro é qu` ele fala por si e q’ando ma sobe à cabeça ê não tenhe palavras pra d`zer o quer que seja porque ‘ele’ é muito inteligente e Doutor… até me faz dormir sem tomar cumprimidos e por vezes faz-me falar palavras caras, imaginem, q` até prometo o que na sei ou o que prometi ou disse ou era p`ra fazer e na fiz!”; (Salmo Brancus Versus Ciroulha, ano 1947 DC).

FILOSOFUTINTUS E PROVERBIUS BRANCUS:

A BOM OU A MAU COMER… TRÊS VEZES VINHO BEBER: Provérbio popular associado a momentos festivos e que significa a necessidade de beber ou brindar com vinho puro, sempre três vezes, independentemente da qualidade da comida. O mais importante de facto é salientar o acto social de beber. “Óh J´quim… bazaaí mais um… mas cheio porque ê na sê contar!”

AO BOM AMIGO, DÁ O TEU PÃO E O TEU VINHO

Ao bom amigo devemos sempre servir o nosso pão e o nosso vinho (aquele que é produzido em nossa casa). ”Em tempos até a patroa era oferecida, quando o dono ‘tava c’a bezana”.

ATÉ AO LAVAR DOS CESTOS, AINDA É VINDIMA

Provérbio popular que nos transmite a ideia de lutarmos até ao fim por uma causa (não confundir com o 25 de Abril). Até ao final pode-se mudar o rumo dos acontecimentos. Provérbio apelativo e incentivador da necessidade de persistir até ao fim… “Quer`se`dezer… até cair p`ró lado, mas sempre teimoso e cheio de sede”.

CADA “BUCHA” SUA PINGA

Cada comida tem sempre a sua bebida a acompanhá-la. No imaginário popular, os homens não se imaginam a comer sem terem algo a acompanhar (de preferência vinho na maioria dos casos). E por norma, 2 azeitonas, por 2 litros de vinho… se calhar é muita azeitona, né?

CARNE QUE BASTE… VINHO QUE FARTE… PÃO QUE SOBRE

Provérbio popular que nos transmite a ideia de abundância de alimentos à refeição à boa maneira popular deve conter comida suficiente, bebida em abundância e seguramente muito pão. Na mesa da maioria das famílias de origem popular o pão não podia faltar. Deveria sobrar e até se dizia… “P´ra qué c’á tante pão home, p´ra tã pouque vinhe?”.

MUITA PARRA… POUCA UVA… Este provérbio transmite-nos a ideia que “nem tudo o que luz é ouro” ou “as aparências iludem”. Em muitas situações do quotidiano popular (trabalho, tempos livres, etc.), algo que nos parece, à primeira vista, ser uma coisa muito exuberante acaba por ser uma grande desilusão. Esta analogia é feita com as videiras que em determinada altura têm muita parra e depois delas se retira pouca uva. Ou como muita gente que conhecemos que depois de abrirem a boca… mais valiam estar calados ou despidos (as). Ná… enganam bem por vezes com e sem roupa!

NEM PÃO QUENTE… NEM VINHO QUE SALTE AO DENTE

O pão não se deve ingerir quente, bem como o vinho não se deve ingerir frio. Conclusão, ”sempre” de jarro cheio… e sem placa nos dentes”.

As famosas Tabernas e Tascas de antigamentente são hoje recordadas em muitas localidades, comentadas e até recuperadas, para voltarem a ser o que eram. Eram verdadeiramente casas tipicas e interessantes mesmo ao ar livre. Era nestes estabelecimentos onde se servia o denominado petisco pobre e hoje o mais procurado por ser um “rico” o denominado copito. Foram naquele tempo lugares obrigatórios do homem e a Igreja o da mulher; já diziam os mais cépticos naquele tempo, quando estavam com a “Cardina” que cada um tinha a devoção que queria e que aquele lugar era o melhor porque o Padre também bebia o seu copito ali ao lado deles. Agora para ser coisas a sério, lá vinha o tal provérbio…antes q´ azeda…que logo se beba… e depois ia-se á missa.

Quem viveu intensamente estes típicos espaços sabe quanto custou esta mudança. O taberneiro foi antigamente um Padre autêntico. Quantas vezes já no final do dia á hora do fecho, aparecia sempre uma alma penada a chorar baba e ranho e que era um desgraçado, um triste e amargurado rejeitado “p´la familha” e era o vinho que o alegrava etc, aqueles mais rezingões que muitas vezes não tinham ordem de nem mugir em casa e ali eram uns fanfarrões. Mas todos taberneiros naquele tempo tinham lábia e sobrolho franzido para os que o provocavam.

Para acompanhar um copito naqueles anos em que o Pitromax e o candeiro a Pitrol eram as luzes psicadélicas daquele lugar e bem recordo que era sómente ali a venda da Pinga, hoje, até chateia onde o vendem…bem, só falta nas Farmácias… O aconchegar o estômago, serviam alguns petiscos. O “bacalhau albardado” ou desfeito eram o que tinha mais saída era o conduto do pobre, petingas, queijo, carapaus, o atum e por vezes sómente as pevides e azeitonas os tremoços que com um cadito de pão lá matava a fome. O hábito que muitos ainda se recordam, jantavam e não bebiam vinho em casa e lá iam beber um balde de 3 que era para assentar.

Mas a ida das mulheres às Tabernas, era censurado naquele tempo, só íam por 3 motivos lá: buscar os maridos já “purdidos de Buadeira”, irem buscar uma pinguita p´ra pôr na comida, mas levavam garrafas de litro (?) e aquelas que até se davam ao luxo de beber mais que os homens e até há testemunhas disso ainda hoje…A Camila dizem agora alguns? …e o resto? Ou julgam p´ra qué que os canitos daquele tempo faziam tantos recados? A troco de 2 tostões e eu fui um deles, ir à taberna com um garrafão de 2 litros buscar pinga p´ra nha vizinha e eu dizia que era “pó mê pai” e lá vinha a gorja. Um dos taberneiros típicos conta que antigamente “as mulheres também conversavam na taberna” e usufruíam do seu convívio. Isto porque muitas vezes a taberna era ao lado da mercearia e por vezes tudo em conjunto, entre a ginginha e “o cálce de augardente com mel” com a desculpa muitas vezes das constipações, lá ìa. Com a evolução dos tempos e a vinda da televisão, poucos cafés havia e as Melodias de Sempre, Variedades e os célebres programas do Dr. Pedro Homem de Melo sobre folclore, começava a levar as mulheres um pouco envergonhadas a irem ver.

As telenovelas vieram dar mais um empurrão para o fazerem, e já nessa altura até começavam por petiscar uns carapauzitos e não só. Mais tarde onde “elas” existiam, o lugar transformado hoje por um café ou um restaurante hoje o idoso lá comenta: – Era aqui a nha tasca preferida… até cheirava a vinho… e ria-se. Um bafo antigo, intemporal, ressequido, incrustado naquele chão, nas paredes, no mármore do balcão, onde os copos eram lavados dentro de um alguidar ou na pia sempre com a mesma água, onde o taberneiro ao fim do dia dizer ter ali 5 litros de …ÁUGA-PÉ.

Já não há pipas de 50 litros a ornamentar as paredes, nem serradura para aparar as pingas de vinho transbordante em mãos de tremedeira, as cuspidelas e o gato a comer as espinhas. Não há sequer um papagaio a dizer asneiras amestrado como havia nas velhas tabernas, ou mesmo um rádio Grundig que ao domingo com os relatos da bola, deixava muitos de cabeça perdida ou mesmo adormecerem sentados naqueles bancos corridos e não caíam para o chão, tal era o hábito, e muitos que ao verem aquela novidade dizerem bem espantados: – Qu´é isto senhores…um caixote de meio alqueire a dar música e a falar…louvado seja Deus.

O balcão de mármore era altar que dava guarida à balança de ranger reumático, sempre a pesar para o lado da casa. Era o retrato amarelecido do tempo em que os homens se acamaradavam ao balcão para beber vinho do pipo e petiscar pataniscas, fintando a solidão dos dias tristes e vingando os dias de trabalho do campo sabe Deus. “Como era refrescante ouvir o zurrar de um burro quando o dono o aliviava de toda a carga ao desmontar-se e entrar pelo seu pé na taberna e passado umas horas ter que ser os compadres a colocá-lo em cima dele e quase como a ensinarem para o levar (o dono) para casa.” Isso, é qu´éra o bonito o estardalhaço que a patroa fazia mais tarde.

Naqueles lugares lá aparecia o tocador gaita-de-beiços, flauta, harmónio ou concertina e até os Zés Serralheiros a tocar Guitarra, para muito apreciado e para outros até como caixa de fazer ó ó. Consta que no século XVIII, o fandango era dançado por homem e mulher em pé de igualdade. No entanto o facto de ele ter sido adoptado pelos convivas das tabernas, que o dançavam sobre as mesas ao som do harmónio e ao toque dos ‘copos’, e interpretado como um dos motivos que conduziu à masculinizarão da dança.

Hoje, o fandango é uma dança exclusiva de homens que deixou de ser apanágio das tabernas e bailes da aldeia para se transformar numa manifestação de espetáculo folclórico.