‘Estoiras do mê passado…’, por Augusto Gil

 Hoje em dia poucos são aqueles que se recordam de como eram os brinquedos, brincadeiras e bailes de tempos antigos.

Onde estão os Bailes de outrora, onde se faziam despiques para dançar com a rapariga mais bonita, onde se arranjavam namoricos que acabavam muitos por dar em casamento. Será intuito da organização não deixar desvanecer na memória dos que ainda tiveram o privilégio de assistir a alguns desses “arraiais” e paralelamente dar a conhecer às gerações mais recentes, àquelas que apenas conhecem a noite actual, com discotecas e bares, como e onde eram passadas as noites animadas de alguns anos atrás. Assim sendo, e para levar a bom porto este desejo, com um baile regional. Pedi já lá vão uns meses ao Tio Zé Bio com a idade igual ao do meu Pai hoje com 88 anos, que me falasse de como era a vida quando ele era pequeno e como era filho de um pequeno fazendeiro agricultor ou denominado cavador ou trabalhador rural e comparar outro tipo de vida naqueles tempos e ele contou-me o seguinte: Começou logo por uma coisa que naquele tempo consideravam o ouro numa casa pobre…”O Pão” de Milho… (bem estava à espera de uma resposta e saíu-me outra) Filho, era de milho porque o outro era só por vezes uma vez por mês e muitas vezes nem isso. Os restos do pão duro molhávamo-lo para o conseguirmos comer. E como habitualmente não havia nada para pôr no pão, às vezes púnhamos umas pedrinhas de sal, a fingir que era conduto. Lembro-me também de em dias de festa, a minha mãe querer fazer uma refeição diferente e às vezes comprava sardinhas. Uma única sardinha dava para mim e para os meus irmãos: um ficava com a cabeça, outro com o meio e outro com o rabo. E era assim…

Em relação à água, não havia canalizada. A minha mãe punha na cabeça uma rodilha e um cântaro e ia ào poço ali bem perto no meio da Rua buscar água.

Também, não havia casas de banho. Lavávamo-nos em bacias, em casa e quando queríamos fazer as necessidades íamos ao campo ou ao quintal da casa (se tivesse).

As roupas que vestíamos davam para muitos anos e passava de uns irmãos para os outros, mesmo estando rota. E andávamos sempre descalços. Lembro-me que quando chovia, descíamos as ruas a chapinhar nos regos e cantávamos lengalengas. Apesar da pobreza éramos felizes! O primeiro sapato que tive tinha uma sola de pneu tão grande que deram quase até eu ser adulto.

O pior era a noite, com a falta de luz. Tínhamos apenas uma candeia de petróleo. Quando saíamos de casa e a noite era muito escura, era frequente irmos contra as pessoas. Apanhávamos cada susto!

Eu andei na escola até à quarta classe, e queria muito continuar a estudar, mas os meus pais não podiam pela falta de dinheiro. Por isso, quando deixei a escola fui para um monte guardar porcos, cheguei a dormir muitas vezes ao relento. Quando tinha 18 anos, achei que a tropa era uma oportunidade de mudar de vida. Fui às sortes (inspecção), e depois continuei a vida militar. Infelizmente também sofri muito, porque fui para a guerra combater e o que lá passei nunca irei esquecer”.

Os meus pais e os meus avós eram agricultores e esforçavam-se muito para me dar alimento, a mim e aos meus quatro irmãos. Não era grande alimento, era apenas uma fatia de pão e uma mão cheia de azeitonas, mas tinham que trabalhar muito para me darem o pouco que podiam.

Os meus pais trabalhavam todos os dias menos aos domingos, porque era dia santo. Apenas tinha dois fatos, um para usar nos dias de semana e o outro para vestir ao domingo, quando ia à missa.

Só o meu irmão foi à escola, até à 3.ª classe. As raparigas não iam.

Em Janeiro cantava as Janeiras. Íamos todos, de porta em porta, cantando e era uma grande festa.

Com as minhas amigas que também não iam à escola jogava ao jogo do lenço (aqui vai o lenço, aqui fica o lenço), às escondidas e a outro jogos.

Nos anos 30 e 40 não havia nada, nem luz eléctrica, nem telefone público, nem transportes públicos, nem saneamento básico, nem água ao domicílio.

Os anos 30 e 40 não têm qualquer comparação aos tempos de hoje, existia muito mais pobreza, não havia televisão ou rádio, nem qualquer tipo de entretimento que hoje conhecemos. Eram tempos em que se trabalhava sol-a-sol.

Levantava-se às 6:00 horas da manhã, para trabalhar com os meus pais e irmãos mais velhos. Os pais e irmãos ceifavam erva, enquanto eu guardava as cabras e vacas. A meio da manhã, tomavamos o pequeno-almoço. Comiam-se batatas, feijão, arroz, couves, era tudo à base de hortaliças e cereais, com bastantes vitaminas, mas era como se fosse uma refeição do género da do almoço. À noite, descamisavam o milho e tiravam as massarocas com um bico de pau.

Enquanto desfolhavam o milho, cantavam e dançavam….e não só!!!!

Crónica, por Augusto Gil