“Até o cheiro era outro”, por Augusto Gil

Saudades que temos desta época…

A ida para Escola em 1957 com os meus 5/6 anos, eu e os demais do meu tempo, tenho a certeza e sem televisão em casa e a pouca informação tanto da parte dos Pais e como tudo desse tempo, a história do Nascimento do Menino Jesus no dia 25 de Dezembro, as prendas no Sapatinho, o fazer o Presépio, onde lá iamos roubar um pinheiro e trazer musgo, umas piteiras, e ir à Rosa Quinquelheira lá na Praça comprar em barro aquelas imagens para compor o Presépio era uma vez por ano, um Maná e uma alegria. Naquele corredor onde o meu Pai colocava o carro como garagem, à fundo uma arca de madeira tão centenária com uma altura de cerca de 90 centímetros e com um 1,70m de comprimento, era ali que o dito era feito em cima e por baixo eram colocados jornais para que a humidade do musgo fosse absorvida visto os sacos de plástico ainda não existirem. O tirar um espelho bem velho onde uma garrafa de licor e 6 copos se encontrava como decoração numa bandeja na sala de jantar era colocado também naquele cenário a imitar um lago onde com uma ponte cinzenta era colocada em cima, uns patos e as famosas lavadeiras que por ali eram representadas no antigamente nas margens, eram ali colocados. As estradas feitas de areias do Tejo tiradas de alguma obra ali bem perto de casa onde íamos buscar, era sobreposta com o caminhar daquelas imagens tais como o do Pastor com o seu borrego às costas e o cão e no meio do musgo muitos carneiros eram ali espalhados. Uns bocados de tijolos ou pedras cobertas com musgo os tapavam e lá em cima eram colocados os Moinhos onde também a imagem do moleiro e do burro era ali colocado a descer, como que a dizer que ía levar ao Menino Jesus a farinha para fazer o Pão. Lá ao fundo do outro lado tinha que existir uma torre de um Castelo e por aqueles intervalos nos espaços verdes lá ìamos colocando mais carneiros ou cabras. O lugar onde mais nos dava gozo compor era a casinha onde colocávamos o Menino Jesus na cama de palha feita pelos nossos avós e até a própria decoração onde de um lado se encontrava o burro e do outro lado a vaquinha. À frente o S. José e do outro lado a Nª. Senhora, era colocada e recolocada de uma maneira ou de outra sempre com as opiniões dos mais velhos… – “Não é aí, é do outro lado. Põe a vaca mais p`rá frente. O burro é mais p´ró lado… olha esse carneiro… mete mais á frente, tira daí os Reis Magos porque ainda não chegaram, porque só lá para o dia de ‘Rêzes’ é que cá chegam… e põe o Anjo pendurado por cima da casinha e a Estrela é mesmo lá em cima”. Bem, disto era uma constante durante aqueles minutos.

Para descomprimir logo a seguir, lá íamos para a Árvore de Natal. Colocar o Pinheirito dentro de um vaso ou de um balde com areia e cobri-lo à volta com Prata era o ideal. Colocar algodão… muito algodão para imitar a neve era o nosso passatempo, os mais velhos lá iam colocando umas bugingangas até muito consideradas. Havia rebuçados, os famosos chapelinhos de chocolate que custavam 7 tostões e que durante a época Natalícia lá os íamos roubando para comer. Luzes nem pensar, ainda me lembro ver na televisão na Sede da “Ónião”, uma decoração de uma árvore de Natal lá para os lados de Lisboa e quisemos imitar ao fazê-la. Papel colorido e com a “tisoira”, fazer umas fitas decorativas e colocar umas velas compradas no Rei do Bichos e colocá-las por lá mas acesas que por fim se incendiou aquilo tudo. Bem, a intenção foi boa mas fizemos tudo de novo. Era para mim um gozo brincar diariamente com o presépio. Mudava e ia trocando as personagens e lá ia regando o musgo para não secar. A “Noite” lá vinha, independente da história da Ceia de Natal, onde o meu Pai quando numa daqueles viagens a Lisboa ali na Praça da Figueira e quando justificava o frete, lá comprava um super bacalhau que comparando com os de agora, estes são uns carapaus. O grande assunto mobilizador da família era a compra do bacalhau para comer com batatas e couve-galega na noite da consoada. E naturalmente do que mais se falava era do preço. Seria a cinco mil réis (cinco escudos) o quilo? Era muito difícil confirmar oralmente o preço, mas há peripécias que ficaram. Primeiro, o facto de o bacalhau ficar mais caro nessa altura cá na vila. Na compra do ‘fiel amigo’ numa das três lojas mais conhecidas da vila de Almeirim nessa altura, todos sabíamos que levávamos um barrete!

Todos os anos o sr. José Moreno e restantes donos das mercearias, diziam que era a humidade da loja que amolecia o bacalhau, mas na altura de o pôr na panela havia sempre alguém a lembrar que eles o molhavam para ficar mais pesado. Enfim, coisa sem importância quando se tratava de comê-lo na ceia da Consoada, muito bem regado de azeite fresco chegado do lagar e uma boa pinga. 

Crónica por Augusto Gil