Antibióticos: a nossa salvação ou a nossa ruína? 

A taxa de mortalidade infantil é um dos mais importantes indicadores do desenvolvimento de um país.  Nos anos 60, Portugal encontrava-se na cauda da Europa, com uma das mais elevadas taxas de mortalidade infantil do mundo. Desde então, várias mudanças nacionais foram responsáveis pela inversão total desses resultados. Atualmente, Portugal possui uma das mais baixas taxas de mortalidade infantil do mundo, refletindo a qualidade com que as nossas crianças são cuidadas. 

A implementação do Plano Nacional de Vacinação na década de 60 permitiu a vacinação gratuita e acessível a todas as crianças. Com isso, foi possível diminuir progressivamente a incidência de inúmeras doenças infeciosas graves e letais, como o sarampo, a difteria, o tétano e vários tipos de meningite. Graças à vacinação sistemática, a varíola foi mesmo erradicada do planeta.

A gradual melhoria das condições sanitárias, a criação do Serviço Nacional de Saúde (SNS) na década dos anos 70 e a reorganização estrutural da prestação de cuidados na área da saúde maternoinfantil na década de 80 constituíram marcos decisivos nesta viragem. A melhoria das condições de higiene diminuiu a propagação de doenças infeciosas, enquanto o acesso equitativo e gratuito aos cuidados de saúde permitiu o tratamento precoce e adequado de muitas doenças graves. 

As bactérias são agentes infeciosos muito agressivos e, por isso, capazes de produzir doenças muito graves. Continuam a ser uma importante causa de morte em países subdesenvolvidos. A grande revolução no tratamento das infeções bacterianas ocorreu com a descoberta do primeiro antibiótico (a penicilina) no início do século passado. Desde então, a evolução científica permitiu a produção gradual e progressiva de antibióticos cada vez mais potentes e eficazes, capazes de vencer infeções bacterianas muito graves. 

Mas as bactérias não dormem. E, na luta pela sua própria sobrevivência, elas também têm vindo a desenvolver mecanismos que lhes permitem adaptar-se a estes novos tratamentos, tornando-se progressivamente mais resistentes à terapêutica disponível, transformando-se em “superbactérias”. A velocidade com que o estão a fazer é alucinante e muito superior à capacidade de inovação da indústria farmacêutica. Se não forem instituídas medidas apropriadas nesta luta inglória entre bactérias e cientistas, é previsível que dentro de uma curta dezena de anos elas voltem a tornar-se num dos nossos mais potentes inimigos. Calcula-se que em 2050 possam morrer mais dez milhões de pessoas por ano do que atualmente devido à resistência aos antibióticos, ou seja, uma pessoa a cada três segundos. 

O médico é único profissional que conhece as características de cada tipo de bactéria e as doenças que cada uma delas pode provocar. Por isso os antibióticos só devem ser tomados sob prescrição médica, após observação/avaliação do doente e depois de confirmada a presença de infeção bacteriana. As inúmeras bactérias existentes têm características diferentes, afetam hospedeiros de idades diferentes, têm órgãos alvo preferenciais, têm opções sazonais, possuem circuitos de contágio típicos e localizações geográficas onde sobrevivem melhor. A dose, o intervalo de administração, bem como a duração total do tratamento dependem da patologia diagnosticada, da idade e do peso da criança. Todos estes fatores são determinantes na seleção do antibiótico mais adequado, assim como da sua forma de administração. O incumprimento de qualquer deles (pelo prescritor ou pelo doente) contribui seriamente para a promoção de resistências futuras. Estudos periódicos das populações são divulgados na classe médica, permitindo atualizações sistemáticas de conduta. Os doentes desempenham um papel coadjuvante neste processo através do cumprimento escrupuloso das indicações fornecidas pelo médico quanto à dose, intervalo de administração e duração do tratamento.

Os antibióticos destinam-se exclusivamente a tratar infeções bacterianas.  Os vírus (responsáveis por gripes e constipações, entre outras doenças) e os parasitas não se tratam com antibióticos e o curso dessas doenças será exatamente o mesmo com ou sem o seu uso. Mas o consumo excessivo ou inadequado de antibióticos favorece o aparecimento de resistência das bactérias. Segundo a Diretora-Geral da Organização Mundial de Saúde, Margaret Chan, estas resistências representam “um imenso perigo para a saúde mundial”, que “atinge níveis perigosamente elevados em todas as partes do mundo”. Um estudo recente revelou que todas as pessoas podem um dia ser afetadas por uma infeção resistente a estes medicamentos.

No dia 18 de novembro assinalou-se o Dia Europeu do Antibiótico, e a Semana Mundial dos Antibióticos decorreu de 14 a 18 de novembro. Tais celebrações têm o intuito de sensibilizar a população para este problema.  O aumento da resistência aos antibióticos constitui uma preocupação crescente à escala mundial e depende do comportamento de cada um de nós. A Direção Geral de Saúde aproveitou a data para divulgar informação capaz de promover uma adequada utilização dos antibióticos, informando os doentes acerca dos riscos de automedicação e do uso indevido dos mesmos. 

Mais informação pode ser consultada em http://www.dgs.pt/ e http://www.infarmed.pt/.

Opinião, por Teresa Gil Martins